quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Racionalidade

Quando sinto que preciso parar
Quando pressinto que devo deixar
Quando ouço o som do negar
Percebo o choro a chegar

Tento engolir o transtorno
Tento olhar ao entorno
Tento buscar um contorno
Tudo em vão, já sinto-me morno

Onde estará a razão?
Onde fugir da sofreguidão?
Onde acender a escuridão?

Se tiver uma resposta afinal,
Por favor, me dê um sinal
Quero deixar de ser tão pouco racional!



Érika dos Anjos 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Da passagem do tempo

Percebo o mundo sumindo
Percebo os olhos fechando
Percebo o sonho ruindo
Percebo a noite chegando
 
Agradeço pelo dia vivido?
Ou choro pelo momento perdido?
Aconchego-me no plano partido?
Ou vivo um pranto incontido?

Passo a madrugada desnorteada
Amanheço com o coração em disparada
Sei que está quase na hora da chegada
Daquele instante que tenho que ser abnegada

Tento preparar-me a cada segundo
Mas quando chega a hora, afundo
 

Não quero mais navegar na sensação
De quem perdeu a pulsação
 

Então, passa mais um dia
E continuo a sentir um tanto de agonia



Érika dos Anjos


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Taxa

- Olá. Vim pagar minha taxa?
- Que taxa?
- Referente ao conteúdo de dados que uso na minha cabeça.
- A senhora tem algum número para que possamos calcular?
- Exatamente não, mas garanto que é um valor alto.
- Desculpe-me, senhora. Mas, precisamos de algum valor para fazer o cálculo. Deixe-me tentar ajuda-la? Qual foi a última vez que teve insônia?
- Ontem.
- E ficou perdida em pensamentos enquanto acordada?
- Sim, o tempo todo.
- Interessante. Esses pensamentos foram se modificando ao longo da noite?
- Sim, passaram diversos assuntos pela minha cabeça.
- Acho que vou somar mais alguns pontos... a senhora conseguiu dormir depois?
- Sim, sim. Consegui. Senão, nem estaria de pé.
- Melhor assim, não é? Subtraio um tanto... mas, continuando, quando a senhora acordou, os pensamentos continuaram rodando sua mente?
- O tempo todo. Por isso, estou aqui, acho que estou extrapolando meu limite de pensamentos.
- Ah, é justo! A senhora sabe como é, atualmente, após a chegada desta nova jurisdição: quanto mais se pensa, mais se paga...
- Sei sim. E como não quero ficar em falta...
- A senhora está certíssima. Daqui a pouco, iriam até sua casa para acabar com seus pensamentos.
- Deus, me livre, moço! Por isso, quero acertar logo todas as contas. Diga logo de quanto é minha taxa, por favor?
- Ainda estou calculando. A senhora conhece a burocracia deste momento. Nada pode ser em vão, é preciso solicitar ao computador seus antecedentes, seus pensamentos anteriores... e, pelo que estou vendo, a senhora sempre pensou muito, não?
- Sim, sim. Mas, ultimamente, tenho pensado ainda mais. A cada dia ganho mais motivos para pensar...
- Isso é complicado mesmo. Mas, já vou resolver!

Calcula. Calcula. Calcula. Calcula.

- Prontinho! Aqui está o boleto da sua taxa de pensamento.
- Mas o que é isso? Não dá para pagar isso tudo!
- A senhora conhece as regras. Ou paga, ou perderá a chance de pensar.
- Não há outra forma? Posso pagar de outro jeito? Com luta? Transmissão de conhecimento? Tentar mudar outros pensamentos?
- A senhora sabe. Há como pagar assim, mas é um caminho bem mais difícil e tortuoso. Muitos optam por pagar logo a taxa e se ver livre.
- Pois, saiba de uma coisa! Irei pagar sim, mas do meu jeito. Pagarei para ver. Pagarei pra explorar. Pagarei pra pensar. Pagarei pra amar. Pagarei pra me ver livre dessa taxa absurda e continuar com meus pensamentos.
- A senhora que sabe. Mas, entenda, podem haver retaliações...
- Sem problemas. Pode colocar no sistema que pagarei a taxa com mais luta ainda e com muito, muito mais amor. Todo o amor que há em mim.
- Ok. Próximo!


Érika dos Anjos


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Recônditos

Às vezes, aceitar sua parte no trato é o momento mais difícil

Podemos querer mais

Na verdade, quase sempre queremos mais

Mais do que é possível

Mais do que é ofertado

Mais do que o mundo está disposto a dar


 Ah, como seria fácil e tranquilo

Aceitar o que está proposto

Conseguir ver a beleza das cartas marcadas

Mas, infelizmente, não é possível


 Quando não é o corpo que pede,

É a alma que ordena

E ai de quem discordar

Sofre e fica estagnado

Com o mundo nas costas

Tal qual o castigo de Apollo


 Triste é quem acha que não há mais nada,

Que nada mais pode ser oferecido

Sempre há um recôndito da alma pronto para aparecer,

Ganhar força e alardear ao público

“Estou aqui e não posso retornar”



Érika dos Anjos





quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Resenha: Sementes no gelo (André Vianco)

A força macabra da mente é algo poderoso e, sem dúvida, André Vianco soube usar isso a seu favor neste que é seu livro mais assustador. Esqueça vampiros e lobisomens. Eles são sem graça perto de algo muito mais real: os espíritos. Principalmente, os espíritos atormentados do que seriam crianças, mas que foram abortadas e, assim, não puderam cumprir sua 'aventura', como denomina o autor.

Durante este livro, Vianco mostra sua faceta mais macabra e deixa os leitores com um belo frio na espinha, fazendo com que achemos que alguma coisa se mexeu embaixo da cama... no entanto, fora a parte sobrenatural da história, o autor também brinca de detetive e coloca no textos vários elementos policiais e criminais que enriquecem bastante a história.

Assim como os outros livros, out-séries de André Vianco (Senhor da Chuva, A Casa e Caminho do Poço de Lágrimas, além deste) Sementes no Gelo acaba por descortinar a hipótese de autor-de-um-tipo-de-livro-só. Merece ser lido e, quem sabe, temido.

"O homem estremeceu. Virou-se repentinamente, ainda deitado, deixando apenas os olhos espiarem o quarto pela fresta que arranjou no pesado cobertor. Aquele som. A bolinha de gude. Sim, era fantasmagórico. Era fantasmagórico porque não deveria existir brinquedo algum ali. Não deveria existir menino tagarela nenhum em seu quarto. Não tinha filho que pudesse chamá-lo de papai. Tinha agora, ali, diante de seus olhos amedrontados, uma espécie de espectro que andava, falava e saltitava amarelinha em seu quarto. Um fantasma que o chamava de papai".

Ficha técnica:


Livro: Sementes no gelo
Autor: André Vianco
Editora: Novo Século
Ano: 2002
Páginas: 174
Nota/Cotação: 4,5 de 5